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terça-feira, 10 de agosto de 2010

III ENCONTRO DA ANEPS - O SABER, A SAÚDE E A VIDA DO POVO: CONFIRA TEXTO DE SELVINO HECK

“Se nós temos direito à saúde, nós temos direito de saber que direito é esse” – Grupo de Santa Fé.


“Precisa dessa lamparina. Com ela na mão a gente vai poder caminhar sem muito tropicão. Ela vai mostrar um jeito de seguir no rumo dos nossos direito” – grupo de pesquisa – Itapuranga.

“Meu trabalho é ajudar. Me chamam de madrinha. A gente faz uma cosquinha na barriga dela, ver como ele está lá dentro da mãe. A gente tem que olhar, balançar, ver onde está a cabeça, as perninhas dele. Cada um parto traz um jeito de ele vir. Nós temos nossos banhos, nossos chás e isso ajuda muito na saúde das mães. Acontece que os governantes não vão na nossa comunidade para conhecer o que temos”(Dona Josefa da Guia, parteira de Poço Redondo, Sergipe).

“A coisa mais bela que pode existir é a geração do ser humano, esse grande poder de Deus na pessoa humana, a mulher ter essa capacidade de gerar um filho no seu ventre. Cada parto que eu fazia eu me via muito emocionada. No momento em que a mãe aceitou aquele filho, ela cria o filho. É gostoso ajudar o outro. Na correria do mundo de hoje, não é fácil. As pessoas só querem o imediato. Meu pai me ensinou que a pessoa é corpo, alma e espírito e isso não dá para separar. Não dá para separar o corpo. Para mim, é fazer acontecer o amor de Deus nas pessoas. Quem bater na minha porta, foi mandado por Deus e não foi à toa. Tem muita gente neste mundo não com fome de comida, mas com fome de amor, de carinho. Só assim este nosso mundo pode mudar” (Dona Francisca, parteira, raizeira, benzedeira, cearense, hoje em Goiás).

“São necessárias práticas integrativas de saúde, para diminuir a quantidade de pessoas nos consultórios. O desafio é valorizar as coisas simples e o novo. É estar aberto à emoção. O coração não mente. A maior parte do dia a gente escuta a mente, não o coração. Para ter saúde é preciso juntar o físico e o espiritual” – Irmã Cruz, religiosa capuchinha de Fortaleza.

Tudo isso e muito mais foi dito e ouvido, com entusiasmados aplausos, no IIIº Encontro Nacional da Articulação de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde e Iº Encontro Nacional de Práticas Populares de Saúde, realizados em Goiânia em julho, com o tema central “Projeto Popular para o Brasil e seus Desafios: Saúde como Direito.” O objetivo do encontro era articular sujeitos envolvidos com movimentos e práticas de educação popular e saúde pra contribuir com a construção do Projeto Popular para o Brasil, frente aos desafios de efetivar a saúde enquanto direito.

O símbolo do Encontro era uma lamparina. No final dos anos 70 e início dos 80, em Goiás, em cidades como Inhumas, Itaberaí, Anápolis, Itapuranga, Moçamedis, Itaquaru e muitas outras, lavradores, sob as bênçãos da igreja católica, em especial de D. Tomás Balduíno juntaram-se na luta pelo direito à saúde. Lamparina era o nome de uma cartilha, que explicava a metodologia para iluminar as lutas. O nome da mobilização social era O Meio Grito. Meio grito porque grito inteiro é onde se ia chegar. “Então o Meio Grito é mais uma força pra juntar, mas que ainda não é o Grito Inteirado.” Um grupo de jovens de Ceres, GO, montou uma peça de teatro na Semana da Pátria de 1979, com o título Terra Sem Lavrador, cuja inspiração era: “...E quanto à independência do Brasil ainda é preciso completá-la. O povo anda à espera de sua verdadeira libertação. E as novas gerações de brasileiros são chamadas para essa missão histórica”.
O educador popular Carlos Rodrigues Brandão, que acompanhou e sistematizou todas estas experiências, escreveu; “Terá sido esta uma das primeiras vezes, em Goiás, em que através da poesia e do teatro se representava a céu aberto uma visão clara e artística da realidade da vida cotidiana de mulheres e de homens de fazendas, de sítios e povoados. Pessoas e famílias expulsas da terra, para que em seu lugar crescesse o capim e se multiplicasse o gado e a ganância dos senhores de gado e gente.”
Na continuidade destas lutas do povo, surgiu em junho de 2003 a ANEPS – Articulação Nacional dos Movimentos e Práticas Populares e Saúde – www.aneps.org -, “grávida do desejo dos movimentos e práticas de educação popular e saúde existentes no Brasil, propondo pensar juntos políticas públicas para o SUS, contribuir com as Conferências Nacionais de Saúde e participar do desenvolvimento de processos de aprender-ensinar em saúde nos estados brasileiros. Hoje são centenas os movimentos e práticas articulados em todo território nacional. Dos laços políticos entre a educação popular e a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde nasceu o Comitê de Educação Popular em Saúde – CNEPS –, tornado oficial pelo ministro da saúde em 2010.
O convite do encontro dizia: “Assim convidamos a todos e todas para sentir o cheiro das flores, degustar os sabores, beber da água, olhar para imensidão do colorido cerrado de céu côncavo e cantar na resistência da vida que brota depois das queimadas.” Estiveram presentes centenas de participantes de todo Brasil: parteiras, médicos, gestores públicos, enfermeiros e enfermeiras, educadores populares, militantes sociais.

Como declamou Nery, em forma de literatura de cordel:
“Foi em Goiânia que eu vi:/ (não foi ninguém que contou!)/ um redemoinho de gente/ de toda parte brotou!/ Gente do sul e do Norte,/ de todo canto chegou! Veio índio, branco e negro,/parteiras e benzedeiras, /veio mulher,veio atleta/veio artista e bordadeira,/ até homem de bicicleta,/participou da brincadeira. / As frutas eram o conhecimento/ que foi revelado nas ‘prática’/ de pessoas bem comuns/ de pouca ou nenhuma gramática./ Mas de muita sabedoria/ da vida e não da matemática./ Falaram da terra e do ar,/ das águas, do sol e da lida,/ de saúde e higiene,/ transporte, casa, comida/ religião, cor e raça:/ igualdade para a vida./ E fizeram a diferença!/ E hoje todos querem fazer!/ Construir uma proposta,/ com ajuda de mim e você,/ pra mode melhorar a saúde/ cobrar do governo atitude/ pro povo poder viver!/ E por isso eu escrevi:/ achei a história bonita,/ não é história inventada,/ é a história de uma vida,/ da luta pelos direitos!/ Do Brasileiro na lida!”

Saúde é direito e é preciso lutar por ele. O Encontro terminou sob a frase de Albinéia, uma das lutadores dos anos 70 e ainda lutadora hoje: “Chama que alumia,/ catavento que sopra e anuncia/ os ventos da educação popular e saúde na espiral,/ o caminho para o mundo novo que almejamos.”
Selvino Heck
Assessor Especial do Gabinete do Presidente da República.
Em doze de agosto de dois mil e dez.
Vamos construir o ENCONTRO REGIONAL DE EDUCAÇÃO POPULAR EM RECIFE!!!

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SIMONE LEITE: 7988134386/32552622